A “língua pátria” expressa a cultura do nosso tempo

Dia desses, o grupo da Academia Saltense de Letras no WhatsApp – um espaço bastante democrático, onde cada um se comunica segundo sua visão de mundo – foi repentinamente tomado por um debate não planejado sobre o uso de estrangeirismos na língua portuguesa. É que um dos acadêmicos, no afã de “defender a língua pátria”, exortou um confrade pelo uso da palavra streaming para se referir à tecnologia de transmissão de dados em fluxo contínuo de um servidor para um dispositivo conectado à internet, que permite que o usuário acesse o conteúdo em uma plataforma online, sem que haja necessidade de baixar o arquivo. 

Em meio à fúria de “defensores da língua pátria” e estudiosos de linguística que, antes de tudo, compreendem o idioma como algo vivo e em constante transformação, senti-me motivada a escrever sobre essa questão.

Sim, existe uma “língua pátria”, mas ocorre que, desde os primeiros letramentos, feitos em solo brasileiro há quase 500 anos, a língua portuguesa se modifica e se amplia a cada dia. Segundo Ieda Maria Alves, professora do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da USP, novas palavras são criadas diariamente e em algumas áreas, com mais movimentação e criatividade de conceitos, há mais palavras novas do que em outras.

Um exemplo disso é a área de tecnologia. Como há o desenvolvimento constante de novidades, também há novas palavras para dar nome a essas tecnologias. Por exemplo, há 40 anos, não existiam vocábulos como computador, clonagem, blog ou streaming.

Ao mesmo tempo em que várias palavras surgem todos os dias, muitas delas também deixam de existir logo em seguida. Para que uma palavra sobreviva, é preciso que ela entre para o vocabulário de outras pessoas. Se isso não acontecer, ela não permanece. Outro caso muito comum é de palavras que deixam de existir por falta de uso e até podem ser retiradas dos dicionários.

Prova disso é que, desde 1981, a Academia Brasileira de Letras (ABL) publica, periodicamente, uma edição atualizada de seu Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), mais conhecido como dicionário Houaiss, em homenagem ao intelectual brasileiro Antônio Houaiss, coordenador de sua primeira edição. Atualmente, o Volp, lançado em 2021, lista mais de 400 mil palavras.

Além disso, a ABL apresenta toda semana em seu site uma palavra ou expressão que passou a ter uso corrente na língua portuguesa, podendo ser um neologismo, um empréstimo linguístico ou mesmo um vocábulo que, apesar de já existir há algum tempo na língua, tem sido usado com mais frequência ou com um novo sentido nos dias de hoje.

Os acadêmicos da ABL explicam sua motivação: “A criação, o uso e a difusão de uma nova palavra ou expressão vêm da necessidade que temos de nomear algo que faz parte da nossa realidade ou que nossa inteligência e percepção foram capazes de identificar com mais intensidade. Conhecer o significado de novas palavras enriquece nosso vocabulário e nos faz mergulhar na atmosfera intelectual em que vivemos. Mais do que isso, contribui para o pleno desenvolvimento de nossa capacidade de comunicação, amplia a compreensão que temos do mundo e nos torna aptos a identificar problemas, buscar soluções e sermos agentes de mudança em prol de uma sociedade mais humana, ética e justa”.

Quer conhecer as palavras novas apresentadas pela Academia Brasileira de Letras? Visite o site: Novas Palavras | Academia Brasileira de Letras

3 comentários em “<strong><strong>A “língua pátria” expressa a cultura do nosso tempo</strong></strong>”

  1. Marilena Matiuzzi

    Otimo texto, Anna!
    A inclusão de termos estrangeiros (estrangeirismo) no vocabulário tem motivações históricas, sociais e culturais,. A própria língua portuguesa tem origem no latim, francês e italiano. Atualmente a maior influência que recebe é do inglês, por ser a língua mais falada no mundo atual.
    Porém, alguns, equivocadamente, entendem que isso é um vício de linguagem e repercutem a ideia de que pode prejudicar a soberania do idioma oficial do país.
    Gostei muito da explicação dos acadêmicos da ABL, de que isso “contribui para o pleno desenvolvimento de nossa capacidade de comunicação, amplia a compreensão que temos do mundo e nos torna aptos a identificar problemas, buscar soluções e sermos agentes de mudança em prol de uma sociedade mais humana, ética e justa”.
    Muito bom!

    1. Pois, é! O idioma é uma ferramenta de comunicação. Portanto, o mais importante é isso: compreender o que o outro expressa e fazer-se entender, não é mesmo? Feliz ano novo pra vc! Bjs

  2. Oi Anna, ótimo texto! Obrigado pela oportunidade do conhecimento aqui referido. Palavras novas aguçam a minha inspiração, e me estimula o saber.

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