A trilogia traz uma narrativa fantástica, ambientada na Idade Média, e trata de um dilema atemporal na literatura: o homem dividido entre o bem e o mal que, apesar da busca por aspirações que deem sentido à sua existência, se subjuga a valores impostos pela sociedade de sua época. O próprio autor, um dos mais importantes do século XX, destacou-se pelo engajamento político e fez parte da Resistência Italiana contra o nazismo.
1º livro: O Visconde Partido ao Meio (1952) é narrado pelo sobrinho do protagonista, um garoto de 7 ou 8 anos de idade, e conta a história do Visconde Medardo de Terralba. Medardo é um jovem tenente que, antes de partir para a Guerra dos Cristãos contra os Turcos, herdou o título de Visconde de seu pai. O velho Visconde, já cansado das lides do mundo, opta por renunciar às prerrogativas do título em prol de seu único filho homem. Assim, começa a história do Visconde que é partido ao meio por uma bala de canhão, já em sua primeira batalha, numa guerra em que se alistara apenas para agradar aos Duques vizinhos de sua propriedade. Ao retornar para casa, o Visconde Medardo mostra o seu lado mais cruel e espalha terror ao seu redor. Mas, no desenrolar da trama, o leitor descobrirá que o lado bom de Medardo ainda existe. O que me tocou nessa leitura foi constatar que o mal pode aflorar em nós após uma tragédia, como reação natural por sobrevivência. Para reencontrar nosso equilíbrio se faz necessário “duelar” conosco mesmos em muitas esferas.
2º livro: O Barão nas Árvores (1957) é narrado pelo garoto Biágio, irmão mais novo do protagonista. Ele conta que Cosme Chuvasco de Rondó, no dia 15 de junho de 1767, com 12 anos de idade, se recusa a comer a ceia preparada pela irmã mais velha, Batista, e decide viver nas árvores do jardim da propriedade, instalando-se inicialmente em uma espécie de carvalho. O Barão de Rondó recebe o gesto do filho como uma rebeldia infantil passageira. Entretanto, com o passar do tempo e a recusa de Cosme em descer das árvores, a mãe, Generala Corandine, aceita a realidade e busca prover condições mínimas de sobrevivência ao filho. Assim, do alto das árvores e cumprindo sua promessa de nunca mais tocar o chão, Cosme irá crescer, amadurecer e envelhecer, interagindo sobretudo com as pessoas da localidade ou de passagem por ali, além de se envolver com os acontecimentos de sua época. Cosme também irá viajar, se apaixonar, fazer amigos e se dedicar a atividades como a caça, a leitura e a escrita. Embora apresente um tom cômico e situações insólitas, o livro tem um lado comovente e humano ao contrastar o destino dos dois irmãos e as dificuldades de relacionamento entre os membros de uma família. Essa leitura me fez pensar na norte-americana Julia Hill, ativista ambiental, que em dezembro de 1996 subiu em uma sequoia gigante na floresta de Headwaters, na Califórnia, para protestar contra o desmatamento da região. O que começou como ação temporária de protesto estendeu-se para uma permanência de 738 dias na copa da árvore. Depois ela publicou o livro The Legacy of Luna onde relata sua experiência.
3º e último livro da trilogia: O Cavaleiro Inexistente (1959) é narrado pela Irmã Teodora, uma monja que recebe como penitência a missão de escrever sobre Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de Corbentraz e Sura, cavaleiro de Carlos Magno, na guerra contra os mouros, na Idade Média. Personagens que também se destacam nesta obra: o escudeiro Gurdulu, a cobiçada guerreira Bradamante, o filho ilegítimo Torrismundo e o jovem soldado Rambaldo. Claro que experiência de leitura é, antes de tudo, um processo individual intrínseco à capacidade reflexiva e maturidade do leitor. Contudo, percebe-se na trilogia, além das questões universais, como o homem dividido entre o bem e o mal, a busca pela identidade, pela liberdade de escolha e pelo pertencimento. Por isso, terminei as leituras refletindo se seria intenção do autor propor a individualidade e o senso crítico como fundamentais para a nossa existência.